Sanção dos EUA: por que perder acesso aos EUA é visto como punição extrema no topo do poder?

Nos últimos dias, ganhou força a discussão sobre uma possível sanção dos Estados Unidos autoridades do alto escalão brasileiro, incluindo um ministro do STF. Ainda que a medida, na prática, se resuma a uma proibição de entrada no território norte-americano (e eventualmente a restrições patrimoniais), sua repercussão política e simbólica é muito maior do que parece. Para entender por que isso é tão comemorado por uns e temido por outros, é preciso compreender o que são essas sanções, como funcionam e por que elas exercem tanto poder.

Por 1kTools
01/06/2025 10:12
Geopolítica
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O que é uma sanção internacional?

Sanções são medidas coercitivas aplicadas por países ou organizações internacionais contra indivíduos, empresas ou estados, geralmente por motivos políticos, econômicos ou de segurança. No caso dos Estados Unidos, essas medidas são decididas por órgãos como o Departamento de Estado (equivalente ao Ministério das Relações Exteriores) e o Departamento do Tesouro, por meio do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC).

Elas podem incluir:

  • Proibição de entrada em território norte-americano;
  • Congelamento de ativos nos EUA (inclusive contas bancárias, imóveis, investimentos);
  • Proibição de cidadãos e empresas americanas de realizarem transações com o sancionado;
  • Pressão diplomática para que aliados façam o mesmo.

Mas... e se a pessoa nem quer ir aos EUA?

A pergunta é comum, especialmente no Brasil: “Mas qual o problema de não poder ir aos Estados Unidos?” Para boa parte da população, isso realmente soa irrelevante. No entanto, para políticos, empresários e autoridades públicas, a história é outra:

  1. Reputação internacional: estar em uma lista de sancionados dos EUA equivale a um “selo global de desconfiança”. Muitos países aliados tratam a decisão americana como referência, ainda que informal. É um desgaste diplomático de grandes proporções.
  1. Sistema financeiro global: grande parte do sistema bancário mundial opera sob supervisão ou influência indireta dos EUA. Mesmo bancos de outros países, ao lidarem com dólares (moeda sob jurisdição americana), costumam evitar relações com sancionados para não correrem risco de punições secundárias.
  1. Implicações familiares e comerciais: sanções podem atingir familiares próximos, limitar viagens acadêmicas dos filhos, barrar sociedades empresariais e congelar investimentos mantidos em nome de terceiros.
  1. Risco de isolamento político: uma sanção pode gerar efeito dominó — países parceiros dos EUA, instituições multilaterais, organismos de crédito e mídia internacional podem passar a ver o sancionado como “persona non grata”.

Quando parece bobo demais para ser levado a sério

Para o cidadão comum — especialmente o brasileiro que batalha diariamente sem nunca ter cogitado uma viagem aos Estados Unidos — a comoção em torno de uma sanção americana contra um ministro do Supremo Tribunal Federal pode parecer, no mínimo, exagerada. Afinal, o que há de tão dramático em perder o direito de entrar em um país estrangeiro, por mais poderoso que ele seja? A reação inicial é quase sempre de espanto misturado com sarcasmo: "Ah, coitado, agora ele não vai mais poder fazer compras em Miami...".

Essa percepção é compreensível e não está errada sob uma ótica objetiva. Um ministro do STF, em tese:

Não precisa participar de reuniões diplomáticas internacionais — essa é uma atribuição do Executivo e, em menor grau, do Legislativo.

Não representa o país em fóruns multilaterais como ONU ou OEA.

Não tem — ou não deveria ter — vínculos comerciais com empresas estrangeiras.

E, como servidor público, é esperado que mantenha sua vida patrimonial no Brasil, sob jurisdição nacional.

Ou seja: ele não deveria depender de viagens aos EUA, nem ter negócios ou patrimônio relevante lá fora. Qualquer impacto prático, se houver, seria consequência de comportamentos pessoais que já estariam no limite da ética — como manter ativos em paraísos fiscais ou realizar intermediações informais com interesses estrangeiros, o que por si só já levantaria suspeitas.

Essa realidade, vista por quem está fora da bolha política e jurídica, reforça o estranhamento: por que isso seria motivo de comemoração ou temor? Por que tanta repercussão se a vida de um ministro — que ocupa uma das funções mais poderosas e vitalícias do país — deveria, na teoria, seguir blindada de pressões internacionais?

A resposta é que, embora o impacto real da sanção possa ser pequeno ou até nulo em termos práticos, o impacto simbólico e político é enorme. A sanção não está ali para afetar diretamente o dia a dia do sancionado — está ali para enfraquecer sua imagem, gerar ruído institucional e oferecer munição narrativa aos seus opositores. Isso explica por que figuras sem nenhuma relação direta com os EUA, como juízes venezuelanos, ministros nicaraguenses ou deputados russos, ainda assim ficam profundamente incomodados quando são alvos de sanções: porque o mundo passa a olhar para eles com outro filtro, mesmo que nada na prática mude.

No fundo, o que mais pesa é o dano reputacional e a perda de prestígio simbólico — algo que, para um cidadão comum, pode soar como vaidade ou ego inflado, mas que para quem opera dentro da elite do poder é um golpe em seu capital político, mesmo que não seja um golpe nas finanças ou na liberdade de ir e vir no plano doméstico.


Por que os EUA impõem sanções a autoridades de outros países?

As sanções fazem parte da política externa americana como forma de pressão indireta, especialmente quando não é viável ou desejável usar força militar. Elas cumprem três funções:

  • Punição simbólica: demonstrar reprovação por atitudes que vão contra os valores que os EUA dizem defender (como liberdade de expressão, democracia, estabilidade institucional).
  • Disuasão regional: enviar um recado a outras autoridades de que atitudes semelhantes terão consequências.
  • Influência geopolítica: controlar o comportamento de atores internacionais mesmo fora do território americano, usando o peso de sua economia, moeda e sistema bancário.

Exemplos anteriores incluem sanções a juízes da Venezuela, ministros da Nicarágua, militares do Irã e empresários da Rússia.


No caso brasileiro: por que isso gera tanta agitação?

Para os opositores do governo brasileiro atual (e, por extensão, de decisões tomadas por Alexandre de Moraes no STF), uma sanção dos EUA seria interpretada como uma validação externa das críticas internas. É como se dissessem: “Viu? Até os EUA concordam que ele passou dos limites”.

Já para a base de apoio institucional, uma sanção seria vista como uma afronta à soberania nacional — um gesto externo tentando intimidar um magistrado que, aos olhos de muitos, tem agido dentro da legalidade ao combater ameaças à democracia.

Ambos os lados, porém, reconhecem: receber uma sanção dos EUA não é trivial. É uma sinalização poderosa — e com efeitos muito além do passaporte.


Reflexão final: Dependência simbólica ou dominação prática?

Por trás da questão está um ponto sensível: o quanto o mundo ainda orbita em torno do poder americano. O simples fato de uma proibição de entrada em um único país causar tamanha comoção já revela a influência geopolítica que os EUA mantêm — não pela força das armas, mas pela força de sua moeda, da cultura, das finanças e das alianças.

Mais do que impedir uma viagem, uma sanção americana é um veto silencioso à participação plena no jogo global.


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